sexta-feira, 31 de agosto de 2012



O Sócio-Interacionismo de Vygotsky
Muitos homens se debruçaram ao longo do tempo para compreender o desenvolvimento de alguns processos educacionais, para com isso, propor conceitos que ampliam a nossa visão sobre as relações de ensino.
Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em novembro de 1896. Seus estudos se direcionaram para a compreensão das relações educacionais a partir das relações sociais humanas. Não cabe aqui analisar todo o contexto histórico da época em que viveu, mas as influências da teoria marxista e da práxis revolucionária social, tão em voga no inicio do século XX, são notadas em suas análises, sempre preocupadas em visualizar o homem como um ser social.
Para Vygotsky o homem constitui suas formas de ação e sua consciência crítica através das relações sociais,  que direcionam os indivíduos ao caminho da compreensão crítica. A criança começa a realizar determinadas tarefas graças ao auxilio dos adultos, que serão seu espelho até que esteja pronta para realizar as tarefas sozinha. Ao interagir com indivíduos que possuem uma capacidade cognitiva mais avançada ela começa a modificar a sua ação, que será sempre determinada pela relação social com outros indivíduos. Por isso ocorre a imitação, quando a criança copia os indivíduos presentes no seu circulo social. É, portanto, pela relação social que aprendemos e nos capacitamos, até que tenhamos controle dos sinais que nos são necessários.
Ao mesmo tempo em que age com o mundo exterior, o sujeito interage com si próprio. As relações exteriores se internalizam no sujeito, pois as experiências vividas vão se adaptar as características internas, constituindo uma nova estrutura, única em cada individuo. Para Vygotsky o plano interno é uma apropriação das formas de ação que vem do contato com o meio externo, pois o sujeito vai utilizar a ação do mundo social para aprender a regular sua própria ação.
 A fala será uma importante estrutura de aprendizagem, responsável pelo contato mais abrangente do individuo com os outros. Com ela a criança passa a pensar sua ação de forma mais concreta e independente, será o elo de ligação com o mundo social, tão necessário para a continuidade do seu desenvolvimento cognitivo.
Apesar da necessidade da relação social, o plano interno não é uma simples reprodução do externo. Ele é uma incorporação deste, se constrói adaptando-o as estruturas existentes no próprio ser. Não se trata de um sujeito passivo ao meio, que recebe as informações e com isso passa a agir. O conhecimento não é dado de fora para dentro, ele é uma ação mútua entre os indivíduos, pois é construído por ambos em uma interação social.
É a relação entre os sujeitos que vai levar a uma evolução das experiências, elevando o controle sobre as ações. Isso é tido para Vygotsky como “a zona de desenvolvimento proximal”, onde ocorre a obtenção de capacidades através da relação compartilhada com outros seres. Essa obtenção permitirá novas possibilidades de desenvolvimento posterior. A aprendizagem obtida com essa interação será à base das próximas, e esse ciclo se desenvolverá durante toda a vida.
Com isso, Vygotsky conclui que uma aprendizagem bem sucedida é aquela que cria estruturas para novos conhecimentos, dando base para que os indivíduos possam dominar as ações de forma autônoma.  O conhecimento é adquirido quando o individuo passa a agir de forma espontânea, controlando suas ações de forma independente ao meio externo. A autonomia e a regulação das ações são resultado de interações, pois ao mesmo tempo em que se individualiza a criança se sociabiliza, num processo de conhecimento eterno.

OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sóciohistórico (2a. ed.). São Paulo: Scipione, 1995.

quarta-feira, 27 de junho de 2012


A queda do liberalismo no entre guerras

Uma análise sobre o século XIX comprova com relativa facilidade que ele esteve dominado pelo mundo burguês. Como nunca antes, o ocidente passou por uma série de revoluções técnicas e cientificas que possibilitaram o surgimento de um modo de vida completamente novo, onde a cidade tornou-se o centro dinâmico, local das novidades centradas sobre a fábrica e o mundo do trabalho que a envolvia. O progresso parecia não ter fim, isso levou a um otimismo que teve efeito nas correntes de pensamento filosófico e nas artes. Os Estados autocráticos estavam em franca extinção enquanto a onda constitucional tomava todos os Estados soberanos. A base dessas mudanças era o mundo liberal, visto aqui como conjunto de ideias políticas, econômicas e sociais, baseadas na defesa da “liberdade” individual frente ao poder estatal. Tal sistema era sentido em todos os campos da vida, como a religião, a produção intelectual e a produção material que se assentava na propriedade privada dos meios de produção. Essa criação burguesa ameaçava destituir todos os antigos poderes, criando um mundo completamente novo. Esse processo ainda ocorria no início do século XX, quando tem início a primeira guerra mundial. (HOBSBAWM, 1995).
O único “perigo” que parecia eminente para essa sociedade liberal vinha das massas descontentes, vistas pela burguesia como a camada ignorante da população que tinha como único compromisso a destruição da ordem social. Em seu seio nasciam correntes de pensamento que estimulavam a ação encabeçada por um movimento revolucionário, que faria com que os trabalhadores tomassem o poder derrubando e destruindo a burguesia. A ameaça vermelha horrorizava os estados liberais do Ocidente, sua existência era uma contradição a tudo que o mundo burguês criou. As revoluções de 1848 e a Comuna de Paris de 1871 deram uma lição à burguesia mundial e a todos os governos liberais: Era preciso conter as massas.  Como resposta surgiram às instituições democráticas liberais, sua base ideológica era a possibilidade de representatividade que a população (ou parte dela) teria, ao votar diretamente em assembleias representativas, ministros ou presidentes. O surto democrático tomou conta da Europa, quadro que se estendeu até chegada da primeira guerra mundial, Com exceção da Rússia Soviética, todos os regimes que emergiam da primeira guerra mundial, novos ou velhos, eram basicamente regimes parlamentares representativos eleitos, mesmo a Turquia(Eric Hobsbawm, 1995, página 114). Mas isso estava prestes a mudar.
A tendência política e econômica no mundo começou a mudar para outra direção. Tal ação não foi liderada pelas esquerdas revolucionárias, mas encabeçada pela poder que emanava da extrema direita, hostil às instituições liberais e ao perigo da revolução social, que tinha de ser contido com uma base autoritária centralizada na figura de um líder reconhecido pelo povo. A base ideológica desses partidos era o amor incondicional a nação, que deveria ser defendida das ameaças externas e internas, como ficaria evidente nas constantes perseguições de comunistas e judeus.
“As condições ideais para o triunfo da extrema direita alucinada eram um estado Velho, com seus mecanismos dirigentes não mais funcionando; uma massa de cidadãos desencantados, desorientados e descontentes, não mais sabendo a quem ser leais; fortes movimentos socialistas ameaçando ou aparecendo ameaçar com a revolução social, mas não de fato em posição de realizá-la; e uma inclinação do ressentimento nacionalista contra os tratados de paz de 1918-20... A novidade do fascismo era que, uma vez no poder, ele se recusava a jogar segundo as regras do velho jogo político, e tomava posse completamente onde podia... não havia mais limites políticos para o que se tornava, caracteristicamente, a desenfreada ditadura de um supremo “líder” populista.” (Eric Hobsbawm, 1995, página 130). 

Para o historiador Eric Hobsbawm a primeira guerra mundial e a crise econômica de 1929 foram os acontecimentos responsáveis pelo desmantelamento das estruturas liberais no ocidente. Eles causaram um enorme prejuízo aos países do ocidente, levando a um forte descontentamento popular sobre o modelo liberal, que os dizimava em detrimento do grande capital. A insatisfação popular se evidencia no aumento do antissemitismo, uma vez que os judeus eram vistos como os representantes do patronado e da grande empresa. Os regimes da extrema direita vão se alimentar desse rancor social, oferecendo um aparato ideológico que garanta ao povo um lugar no cenário nacional. Tais discursos se direcionam as classes trabalhadoras, que serão o principal alicerce desses movimentos de extrema direita. Estes governos partem do antissemitismo pré-totalitário para alimentar a ideia de que os judeus tinham um plano para a conquista política e econômica do mundo, em vista de dominar os países frágeis para escravizar seu povo. A hipócrita “solução” que o governo nazista soube tão bem empregar era de que a população devia se unir a causa nacional, todos tinham a responsabilidade de combater o mal que ameaçava a pureza dos povos superiores. Não houve limites morais para que tais regimes pudessem controlar seu povo, todas as cartas que estivessem à disposição seriam jogadas. (ARENDT, 1989).
A vitória politica de tais movimentos extremados teve início na Itália, com a vitória de Mussolini em sua marcha sobre Roma, tal política foi seguida mais tarde na Alemanha com a chegada de Hitler ao poder. Para Hobsbawm a vitória do fascismo na Alemanha foi o início de um movimento que se internacionalizaria, alcançando os quatro cantos do globo.

“Sem o triunfo de Hitler na Alemanha em 1933, o fascismo não teria se tornado um movimento geral... sem o triunfo de Hitler na Alemanha, a idéia do fascismo como um movimento universal, uma espécie de equivalente direitista do comunismo internacional tendo Berlim como sua Moscou, não teria se desenvolvido.”.   (HOBSBWM, 1995, página 120).

Apesar de não ser um movimento homogêneo o fascismo compartilhava ideias comuns como o anticomunismo, antiliberalismo e o nacionalismo, este ultimo foi a base do racismo extremado. O amor ao nacional era também o ódio a tudo que fosse diferente, este elemento esteve aparentemente ausente no fascismo Italiano, mas na Alemanha vai ser o combustível essencial do regime.  A direita fascista se aproveitou dos problemas estruturais vividos no mundo liberal. Seu temor à revolução social fez com que se aproximassem das massas, que serão mobilizadas em uma escala sem precedentes. Há uma inversão das ferramentas revolucionárias da esquerda comunista no sentido de construção de uma base social que legitimasse o governo autoritário. As extremas direitas irão se utilizar de conceitos científicos para construir com seu povo os ideais de grande nação, superior as demais pela pureza de sua raça. Vão criar uma tradição histórica completamente mítica, cujo objetivo era de sustentar o discurso nacional.
No poder tais governos tiveram o feito de combater a grande depressão iniciada em 1929. Trouxeram as bases econômicas para o centro do Estado, passando a controlar a sociedade civil e o grande capital. Expurgaram completamente a velha ordem social, ao mesmo tempo em que representaram os interesses das classes dominantes nacionais. Sua vitória como forma ideal de sistema politico e econômico parecia certa em todo mundo, o liberalismo parecia entrar em ruínas e deixar de existir, pelo menos até o inicio da segunda grande guerra, que se mostraria a mais devastadora da história, onde o nacionalismo da extrema direita seria testado aos seus limites mais inimagináveis.

Bibliografia

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, sétima reimpressão, tradução Roberto Raposo, 1989.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: O breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, tradução Marcos Santarrita, segunda edição, 1995.
MAZOWER, Mark. Continente Sombrio: A Europa no século XX. São Paulo: Companhia das Letras, tradução Hildegard Feist, 2001.


sexta-feira, 30 de março de 2012

Osasco e seus 50 anos - Um olhar histórico


Neste dia 19 de fevereiro Osasco completou 50 anos de existência e autonomia. O fato é que sua fundação enquanto núcleo de povoamento é bem anterior, remonta a 1895, quando um imigrante italiano empreendedor, cujo nome era Antônio Agú, resolveu fundar nas proximidades do atual centro do município uma estação ferroviária. Seu objetivo era interligar a vila que se formara às cidades de grande porte da região (entre elas SP). Com a criação da Estação Ferroviária Osasco (nome da cidade natal de Antônio Agú) e da Fábrica de cerâmica italiana uma grande quantidade de trabalhadores veio para a cidade, formando um núcleo de povoamento ao redor das pequenas fábricas, eram paulistas de diversas localidades e uma grande quantidade de italianos. Osasco nasceu ai, uma vila operária voltada para o trabalho fabril, com grande concentração de imigrantes.

Mas isso não resume a historia da nossa cidade. É preciso saber que Osasco participou ativamente de um dos capítulos mais tristes da história mundial ao receber uma enorme quantidade de Armênios, estes vieram fugidos do massacre empreendido pelos Turcos-otomanos, no que ficou conhecido como o Genocídio Armênio, o primeiro do século XX e inspirador para o terror nazista que estava por vir. Essas populações vieram para trabalhar no frigorifico Wilson (atual jardim Wilson), elas participaram ativamente do processo de urbanização da futura cidade, que no momento era um distrito renegado da capital São Paulo. Esses ciclos de imigração moldaram a região, criando uma população miscigenada que é bem típica do nosso país.

O isolamento vivido pelo então subdistrito de São Paulo trazia como consequência um enorme atraso social e estrutural, que renegava a Osasco um eterno papel de subúrbio pobre e abandonado da capital. Com isso, já na década de 50 teve inicio um movimento para separar o subdistrito e criar um município novo, algo quase inédito e desacreditado até então. Depois de grandes insucessos a autonomia foi conquistada em 1962, em uma batalha judiciária que contou com amplo apoio social, essa luta foi denominada movimento dos autonomistas.

A nova cidade contava nesse momento com o número aproximado de 115 mil habitantes, mas em apenas quatro décadas viria sua população crescer para cerca de seis vezes. O principal fator para essa explosão populacional foi a enorme migração nordestina na cidade, história que as elites municipais insistem em esquecer e renegar. A cidade teve uma atuação intensa de nordestinos, que expandiram as fronteiras habitadas com o enorme desafio de superar as barreiras impostas pela migração, como o preconceito, a falta de subsídios, a exploração do trabalho e a precariedade de meios para viverem como cidadãos. Essas pessoas vieram de diversos estados do nordeste brasileiro, acompanhando o ritmo da migração para o sudeste que carecia de mão de obra para seu desenvolvimento. Foram estes braços que possibilitaram a expansão da cidade, seu desenvolvimento estrutural, populacional e econômico.

Outro fato de destaque remonta a julho de 1968, quando uma greve iniciada na Cobrasma fez parar todo o trabalho fabril na região, um ato iniciado por operários que protestaram contra a morte de colegas e o rebaixamento dos salários. Essa luta incitada no município ficou conhecida como um dos primeiros sintomas de resistência social contra o Regime Militar Ditatorial no país, tais operários iriam mais tarde compor o cerne da resistência social.

O preconceito sobre Osasco sempre foi grande, sobretudo pelos olhares da capital. O fato é que Osasco sempre foi temida pelo modelo que criara. É evidente que a capital passou a tomar mais cuidado com seus extremos, temendo perde-los, para isso criou uma estrutura de poder mais eficiente que desencadeou nas atuais subprefeituras. Além disso, a grande concentração de nordestinos gerou uma desconfiança preconceituosa de diversos setores, que duvidaram do desenvolvimento econômico e social do município. Mas conforme os anos foram passando a experiência se mostrou economicamente/socialmente viável, hoje a cidade conta com uma incrível força de trabalho, uma enorme industrialização com boas taxas de desenvolvimento em todos os sentidos. Apesar dos problemas estruturais vividos, sobretudo nas periferias tristemente renegadas do município, a cidade conta hoje com os números de 670 mil habitantes, uma taxa de 95% de alfabetização, eficiente saneamento básico (45° do país), um incrível PIB de 31.616.451.000 de reais (a décima segunda cidade mais rica do País e 4° de SP). Em 50 anos o lema “A cidade do trabalho” se fez valer, pois surgiu uma região onde a luta social vingou e prosperou. Mas ainda há muito a se fazer nos próximos 50 anos.

É preciso compreender a história para entender o presente. Por Lucas Alves de Camargo.